Projetos visam eliminar desperdícios

As caixas de cimento e aço fazem parte do passado. Em tempos de consciência e necessidades ecológicas em alta, qualquer centro comercial que se preze está equipado com "tecnologias sustentáveis", traduzidas em economia de energia, água, materiais construtivos certificados e ambiente atrativo à clientela, que permanece mais tempo nesses locais.

Arquiteto da Multiplan, maior empresa no setor de shopping centers do país, Paulo Baruki comenta que a tendência da racionalização do uso de recursos nesses empreendimentos é mundial e veio para ficar. "Shoppings são estruturas privadas com alma pública que não podem estar fora de sintonia com as questões que preocupam o mundo atual." No Barra Shopping Sul, em Porto Alegre (RS), a empresa obteve economia de 40% em energia com "chaminés solares". As estruturas proporcionam trocas de ar quente e frio e facilitam a iluminação do local sem elevar os custos com ar-condicionado.

Responsável pelo projeto do recém-inaugurado Shopping Park Europeu, em Blumenau (SC), e com mais de trinta anos de experiência no setor, o arquiteto Manoel Dória conta que a necessidade de obras céleres leva ao uso de estruturas pré-moldadas. A tecnologia baixa o desperdício de materiais para em torno de 5%, enquanto em obras convencionais ele chega a 30%. "Os shoppings podem ser montados hoje como grandes legos", explica. Dória também conta que materiais como pedras, madeiras de plantios e aproveitamento de mão de obra local e características climáticas regionais dão uma "cara de Brasil" a várias obras. "Padrões antigos estão caindo ou mudando", ressalta o arquiteto, do escritório Dória Lopes Fiúza.

No centro comercial catarinense, explica Dória, foram usados materiais reciclados no mobiliário e outros equipamentos, a água é resfriada durante a madrugada e distribuída na estrutura durante o dia, 80% da iluminação diurna é natural, há reuso da água da chuva em jardins, vasos e limpeza, painéis fotovoltaicos transformam a luz do sol em eletricidade, sistemas automáticos controlam o acendimento de lâmpadas e a obra deixou boa parte do terreno livre, para absorver as fortes chuvas comuns à região.

Diretor da Thá Engenharia, com obras executadas em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, Roberto Thá explica que os projetos para shoppings mudaram em sua essência. Agora, diz, o pensamento é centrado na economia de materiais e redução do desperdício, trazendo inclusive áreas de serviço mais "espartanas" e deixando os maiores investimentos para onde circula a clientela. "A sustentabilidade veio para ficar e está moldando as empresas a essa realidade."

Superintendente da Paulo Octavio, empreendedora com mais de 40 mil imóveis e seis shopping centers no Distrito Federal, Waldyr Lopes comenta que a valorização da farta luz natural brasileira torna os ambientes mais agradáveis e reduz o tamanho da conta de energia para iluminação. A economia média nos centros erguidos pela empresa é de 12%. Ele conta que o Iguatemi Brasília, em construção, vai aproveitar essa possibilidade, bem como torneiras e válvulas de descarga temporizadas para poupar água. Também vai racionalizar os espaços para melhorar a circulação de pessoas e do ar.

Diretor-técnico da Dan-Hebert, construtora que atuou na oitava ampliação do Park Shopping, em Brasília, José Gonçalves Netto conta que não há grande disponibilidade de materiais inovadores à disposição. As melhorias ocorrem em seu uso diferenciado nos contornos dos centros comerciais. "O caminho é de amplos espaços humanizados, associando conforto e segurança. Shoppings atuais se assemelham a casas de muito bom gosto, com aço escovado, granito e madeira", diz. A obra na capital ganhou uma claraboia com mais de 500 metros quadrados. "Aproveitamos a luz natural e destacamos o belo céu da capital."

Atuando em mais de 30 shoppings no Brasil e outros tantos no mundo, incluindo na cidade de Dubai (Emirados Árabes), a francesa Dalkia oferece "pacotes de eficiência" focados na redução do consumo de energia. As medidas incluem uso de condicionadores de ar mais eficientes, de geradores em horários de pico de consumo, troca de instalações elétricas, automação para luzes, claraboias, películas para filtrar a luz solar e até elevar o brilho dos pisos ou afastar aparelhos das paredes. O ar-condicionado responde em média por 60% do consumo de energia nos centros comerciais. O trabalho executado no Shopping West Plaza (SP) permite hoje uma economia de 11% na conta de energia. "É um conjunto de ações que traz resultados, com tecnologias disponíveis no Brasil", diz Heloísa Bomfim, da área de inteligência em shopping centers da empresa.

Dona de dez shoppings no país, a Sonae Sierra inaugurou um centro comercial em Manaus (AM) com placas que convertem a luz solar em energia que aquece água para chuveiros nos vestiários dos funcionários e ilumina o estacionamento externo, onde há lâmpadas econômicas do tipo LED. Quando comparada com uma lâmpada incandescente tradicional, ela traz uma economia de energia de 80%. As descargas nos banheiros usam água da chuva, que também abastece reservatórios de combate a incêndio. Uma estação de tratamento de esgotos permite o reaproveitamento de 500 mil litros de água por dia. A água usada pela clientela para lavar as mãos é reutilizada na irrigação dos jardins.

Roberto Thá lembra que tantas inovações têm custo em média 15% maiores do que uma construção tradicional. Por isso, quem investe em sustentabilidade arca com o preço de ser inovador, diz. "Quem investe hoje é pioneiro e paga os custos dessa mudança, mas será reconhecido no futuro. Não há incentivos fiscais para uso dessas tecnologias", conta. "Sustentabilidade onera os custos de implantação, mas diminui os custos de operação dos centros comerciais", lembra Paulo Baruki, da Multiplan.

Com todas essas mudanças positivas, Manoel Dória avalia que os centros comerciais deixaram de ser estruturas "voltadas para dentro", ganharam nova roupagem, com design arrojado, e integração da arquitetura às cidades, paisagens e ambientes. "Os projetos atuais influenciam o comportamento das pessoas e a ocupação local e regional em seu entorno. A maioria dos projetos nasce hoje com influências na urbanização."

Baruki, da Multiplan, avalia que os debates internacionais vão levar à definição de regras para a construção de shopping centers sustentáveis. O mesmo deve ocorrer no Brasil em breve, pois o país segue normas construtivas europeias ou americanas. "Acredito na definição de normas tropicalizadas, adequadas à matriz energética e à realidade climática do país. Não precisamos depender de recursos não renováveis. Mas não basta criar mundos perfeitos em projetos, os fornecedores de matérias-primas também precisam adequar suas linhas de produção à sustentabilidade", diz.

Fonte: Valor Econômico e ADEMI-RJ

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