Incorporações negociadas

Em uma operação relâmpago, a Gafisa anunciou ontem as condições definitivas da incorporação das ações de sua controlada Tenda. A relação de troca dos papéis das companhias ficou 2,5% acima do intervalo inicialmente sugerido. O pequeno aumento é fruto da aplicação das sugestões da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na tentativa de minimizar os conflitos das incorporações de controladas, transações tradicionalmente polêmicas.

A construtora Gafisa, que detém 60% da Tenda há pouco mais de um ano, propôs em 22 de outubro a entrega de 0,188 a 0,20 ação de sua emissão para cada papel da controlada. Desde então, na bolsa a relação entre os papéis estava dentro deste estreito intervalo.

Mas após duas rápidas semanas de negociação entre um comitê formado pela Tenda e a administração da Gafisa a conclusão é que a relação seria de 0,205.

Com isso, as ações da Tenda subiram 8,5% ontem para se ajustar à nova proporção de troca. O grupo de trabalho da Tenda foi assessorado pelo Itaú BBA e a consultoria financeira Estáter atuou ao lado da Gafisa, na estrutura do negócio.

A Gafisa emitirá 32,9 milhões de ações para absorver a controlada, num aumento de capital da ordem de R$ 930 milhões, considerando o preço em bolsa. Ao fim da operação, os atuais minoritários da Tenda, que detinham 40% do capital da empresa, terão 19,7% da Gafisa combinada.

A junção das construtoras é a quarta incorporação a seguir as recomendações feitas pela CVM, no Parecer de Orientação 35, em busca de reduzir os históricos problemas dessas operações entre os minoritários e a incorporadora.

O parecer recomenda que essas incorporações ou sejam precedidas de um trabalho de negociação por um comitê independente e especializado na companhia incorporada - para se alcançar uma relação de troca justa para ambas as partes - ou que a proposta seja submetida à assembleia de acionistas sem o voto do controlador, que é a companhia incorporadora.

As sugestões da autarquia foram inauguradas pela Vivo na incorporação das ações da Telemig Celular, em março deste ano. Depois, também baseou os trabalhos da polêmica combinação de Aracruz e VCP e esteve presente até na etapa final da união de Sadia e Perdigão. A próxima incorporação que adotará as recomendações do regulador é a das ações da Trafo pela WEG, ainda em curso.

Até o momento, nenhuma das empresas optou por deixar a transação para definição pelos minoritários em assembleia. Todas se utilizaram dos comitês.

Mas nem mesmo a adoção do trâmite sugerido pela CVM livrou a operação das construtoras de críticas de minoritários. A Polo Capital, gestora de recursos com cerca de 2,5% do capital da Tenda, considerou que a Gafisa abusou de seu poder de controle ao divulgar previamente a relação de troca.

Em carta encaminhada às empresas na semana passada, com cópia para o regulador, a Polo afirma que a divulgação da relação de troca previamente transformou a operação numa "profecia autorrealizável". Isso porque desde a divulgação das intenções da Gafisa o mercado passou a trabalhar com o limite estabelecido.

No entendimento da gestora de recursos, tal prática acaba por influenciar o trabalho do comitê. Além disso, termina por esvaziar os resultados práticos pretendidos pelo parecer da CVM.

Wilson Amaral, presidente da Gafisa, afirmou que a relação de troca foi resultado de uma árdua negociação ao longo das últimas semanas. Na opinião do executivo, a opção por divulgar um intervalo, ainda que estreito, tinha como objetivo não deixar o mercado à deriva para especulações.

Maurício Luchetti, membro independente do conselho de administração da Tenda e participante do comitê de negociação, afirmou que houve uma dedicação integral dos profissionais a essa operação, daí a velocidade. Além disso, destacou que desde o início havia uma grande preocupação de se buscar a melhor relação possível para os acionistas da companhia. Henrique de Freitas Alves Pinto, antigo controlador da Tenda e hoje maior minoritário da empresa, também estava no comitê para defender o interesse dos acionistas.

Para Amaral, presidente da Gafisa, o fato de a relação final ter ficado acima, mas próxima da faixa sugerida é porque o intervalo proposto pela empresa "tinha lógica".

O documento da CVM não aborda a questão da divulgação prévia de uma proposta do incorporador para as transações. É uma decisão da companhia adotar ou não. Mas não é a primeira vez que essa opção é utilizada. Também para incorporar a Aracruz, a VCP forneceu um intervalo para a operação. Foram criados dois comitês com renomados profissionais do cenário econômico nacional, mas o resultado final ficou dentro da sugestão inicial, ainda que amplamente criticado pelo mercado.

Já a Vivo comunicou que incorporaria a Telemig Celular Participações e deixou a definição da relação de troca para a negociação do comitê. Não forneceu parâmetros ao mercado. Quando anunciou os planos, cada ação da operadora mineira valia 1,08 da controladora Vivo na bolsa. Até o fim dos trabalhos, que duraram três meses, a relação subiu para 1,33 e a operação foi concretizada a 1,37. A WEG também não divulgou um intervalo prévio para a Trafo e a relação entre as ações pouco variou desde o anúncio do plano de incorporação.

Reginaldo Alexandre, presidente da regional paulista da associação de analistas Apimec-São Paulo, defende que a melhor opção seria deixar sempre a definição para assembleia de minoritários (sem voto do controlador). Para ele, a divulgação prévia de uma relação é negativa. Além disso, o uso de laudos agrega subjetividade e risco às operações. Consultada, a CVM não comentou o tema por envolver operações em andamento.

Para Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), o ambiente para incorporações melhorou bastante no país. Mas ainda existem aperfeiçoamentos possíveis, segundo ele, como evitar o uso da cotação em bolsa para balizar incorporações que envolvam empresas cujas ações não tenham adequada liquidez.

Embora o parecer da CVM faça recomendações apenas para operações com controladas, a professora Ilene Patricia de Noronha Najjarian, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), acredita que ele é útil em qualquer tipo de transação de fusão e incorporação. Na avaliação da especialista, empresas com capital pulverizado podem adotar a medida para assegurar os direitos dos acionistas em caso de oferta hostil. "A companhia coloca no estatuto social a necessidade de se constituir comitê para avaliar operações societárias, resguardando o direito do investidor a uma avaliação justa de preço.

Fonte: ADEMI-RJ e Valor Econômico

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