A venda de imóveis na planta

A venda de imóveis na planta ganhou o mercado por sua atratividade em levantar capital a custos baixos para o início das obras. A operação, do ponto de vista jurídico, exige cautela para evitar contestações jurídicas. Entre os pontos mais contestados estão a cobrança de juros dos compradores na fase de construção - os chamados juros "no pé" - e os valores da comissão de corretagem. Para evitar contratempos, a regra é sempre manter o comprador devidamente informado do que foi acordado, e incluir tudo em contrato. "Em caso de decisão favorável ao comprador do imóvel, a empresa pode acabar perdendo todo seu lucro", alerta o advogado Antonio Ricardo Correa, diretor jurídico da construtora Carvalho Hosken.

A cobrança de juros na construção é o ponto mais delicado. A prática é arriscada, visto que não há consenso nem mesmo entre os especialistas sobre sua legalidade. E até mesmo as jurisprudências nessa área são contraditórias.

Na interpretação do advogado e professor de direito imobiliário Melhim Chalhub, a prática não é proibida pela justiça. "Há contratos nos quais a cobrança foi expressamente pactuada e, vez por outra, um comprador ajuíza ação sustentando a ilegalidade dessa cláusula e requerendo a restituição das quantias pagas a título de juros durante a construção", afirma.

Já no entendimento do advogado Edwin Britto, secretário da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo), a cobrança se tornou ilegal com a publicação de uma portaria da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, em março de 2001. "Além disso, o Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo) assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Estadual, na mesma época, comprometendo-se a não cobrar juros durante a construção", lembra Britto.

O cuidado com o contrato também é regra para não ter problemas relativos à comissão de corretagem. De acordo com Antonio Ricardo Correa, há mais de mil ações abertas, no Estado do Rio de Janeiro, relacionadas à corretagem imobiliária. É comum, segundo Correa, que a incorporadora não atente para o valor correto da unidade comercializada, na hora de passar a escritura. "Combina-se que o cliente pagará à empresa apenas R$ 180 mil, por exemplo, para adquirir um imóvel de R$ 200 mil, e destinará os outros R$ 20 mil ao corretor envolvido na negociação. Acaba entrando o valor de R$ 180 mil na escritura", conta.

O resultado é que, após meses de pagamento de parcelas, o comprador se mostra insatisfeito, diante do saldo devedor, e resolve contestar judicialmente o valor cobrado. "Ele diz que comprou a unidade por R$ 180 mil, não por R$ 200 mil", completa Correa.

Para ele, a maior preocupação da incorporadora deve ser com a transparência de seus procedimentos. "A empresa deve tomar cuidado com tudo aquilo que aparece no panfleto e com o que o corretor fala no estande", aconselha. Descrições dos atrativos de um prédio e até a indicação precisa do preço do imóvel em uma fase em que o projeto mal começou são práticas temerárias, que podem ser apresentadas à Justiça por adquirentes insatisfeitos com eventuais mudanças no futuro.

O advogado também diz que as empresas não devem estimular a compra por impulso. "É preciso que todas as informações necessárias sejam transmitidas ao cliente, de modo que ele não tenha surpresas no decorrer da obra", explica.

Um acompanhamento contínuo do contrato e da situação do comprador deve ser feito desde o início do processo. "É importante fazer uma análise de crédito do candidato à compra, não só para se assegurar de sua capacidade de pagamento, mas, sobretudo, para estabelecer um limite rigoroso da parcela de sua renda mensal que será comprometida com o pagamento das prestações. Esse cuidado é especialmente importante se o incorporador pretender ceder os créditos para fins de securitização", acrescenta Melhim Chalhub.

A segurança jurídica do incorporador e do comprador é assegurada, de início, pelo registro do Memorial de Incorporação - sem o qual nenhum passo seguinte pode ser dado.

"É no Memorial que se encontram articulados os elementos constitutivos do conteúdo econômico-financeiro e jurídico do negócio incorporativo. São elementos essenciais dos futuros contratos de comercialização das unidades a construir ou em construção", acrescenta Chalhub.

No Memorial de Incorporação constam documentos como a certidão da matrícula do terreno do futuro edifício e a certidão de ônus reais (ambas expedidas pelo Registro de Imóveis), o projeto de construção aprovado pelas autoridades competentes, o orçamento da construção, a identificação das frações ideais do terreno e das unidades a elas vinculadas e a minuta da futura convenção de condomínio, entre outros. "Sem esses elementos, não há como formular um contrato de venda de imóvel em construção. A lei veda a efetivação de vendas antes de arquivado esse conjunto de documentos no Registro de Imóveis", explica Chalhub.

Segundo o advogado Mauro Antonio Rocha, coordenador de contratos habitacionais da Caixa Econômica Federal, há casos em que a empresa não registra o Memorial e comercializa os imóveis assim mesmo. "Não há incorporação de fato - ocorre, na verdade, uma venda 'disfarçada'", explica.

Depois de acabada a obra, a construtora lavra uma escritura de atribuição e realiza-se a instituição do condomínio. "Se a obra termina, o comprador acaba não sendo afetado. Mas ele não teve garantia legal nenhuma durante o processo", conclui Rocha.

Fonte: Construção Mercado

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